sexta-feira, 21 de junho de 2013

Zelador que mora há 18 anos no Lumiére não sabe o que fará com o fechamento do cinema

Espécie de faz-tudo do PlayArte Lumière, tradicional cinema de rua da zona oeste de São Paulo que surgiu nos anos 1950 e fechou as portas nesta quinta (20), Nilson Santo Pinheiro mora no local há 18 anos e agora não sabe o que será de sua vida sem o cinema.

Gosta de filmes de arte porque "são inteligentes" e nos "fazem refletir". Apesar de ter visto mais de mil filmes, sendo a maioria deles no Lumière, diz que morar no cinema é bem parecido a gostar bastante de chocolate e trabalhar numa fábrica de chocolate. "Tem vezes que enjoa, né?".

"Nasci numa pequena cidade mineira chamada Novo Cruzeiro [atualmente com 30.725 habitantes, segundo o IBGE] em 9 de novembro de 1972. Só estudei até a quarta série. Quando tinha 19 anos, fui para Peruíbe [no litoral sul de São Paulo] para trabalhar com construção civil. E nessa de trabalhar com obra é que eu fui parar no Lumière, que foi reformado em 1994.
Nilson Santo Pereira, zelador e morador há 18 anos do cine Lumiére Playarte, que fechou suas portas nesta quinta (20/6)

Fiquei cuidando da obra e depois passei a ser zelador do cinema, onde moro num quartinho que não mostro para desconhecidos de jeito nenhum. Sabe como é casa de homem solteiro, né? Uma bagunça só. Faço de um tudo aqui: troco os cartazes, faço a limpeza, até buscar troco em banco eu vou. E, se precisar, também sei mexer no projetor. Mas só se precisarem.

Moro aqui desde 1 de junho de 1995 e já devo ter assistido a quase uns mil filmes --grande parte aqui no Lumière. Gosto mais de cinema de arte porque eles são inteligentes, com histórias que nos fazem refletir, né? Não gosto desses filmes novos cheios de violência. As pessoas que frequentam o Lumière vêm aqui para assistir aos filmes de arte. São desses que elas gostam mais.

Preciso fazer um pouco de força para me lembrar dos primeiros filmes que vi aqui [a força se faz literalmente, ao apertar a testa com a mão esquerda]. Ah, lembrei! Um foi aquele "Agora e Sempre", com aquela moça chamada Christina Ricci, que fez "A Família Addams", e o outro foi um que virou logo um dos meus favoritos, chamado "Farinelli". Que filme lindo. É sobre um cantor castrado. Gostei tanto que procurei várias vezes o DVD para poder assisti-lo novamente, mas ainda não consegui encontrá-lo.

Enfim, aproveito que moro aqui para assistir a esses filmes, aprender os nomes dos atores e diretores enquanto troco os cartazes. E quando vejo um cartaz, já sei se vai fazer sucesso ou não. Mas é que nem gostar de chocolate e trabalhar numa fábrica de chocolate: tem uma hora que enjoa. Não quis assistir a última sessão do Lumière [na noite desta quinta (20), com a comédia romântica francesa "A Datilógrafa"] porque já vi o filme. Gosto bastante de comédia. Dou muita risada com esses filmes.

Mas [diz com uma feição triste], com o fechamento do cinema, não sei ainda o que vai ser de mim. Não quis continuar trabalhando na PlayArte [que remanejou os outros oito funcionários do local para outras salas do grupo]. Devo pegar o dinheiro que receberei da empresa para visitar minha família e depois, quem sabe, alguém me chama para cuidar de outro cinema. Essa é a coisa que eu mais gosto de fazer."

Em 21/06/2013, no jornal Folha de S. Paulo.

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