segunda-feira, 2 de maio de 2011

Pipoca e cinema: casamento perfeito para uns, terror para outros

O ato de ir ao cinema mudou no decorrer das últimas décadas. As salas de cinema migraram das ruas para os shoppings e a tecnologia melhorou consideravelmente a qualidade de projeção e de som. O que não mudou ao longo dos anos foi o hábito de comer pipoca assistindo a um filme. Entrar numa sala de exibição e não sentir o aroma - para muitos irresistível - de pipoca quentinha é quase impossível na maior parte do mundo.

Mas nem sempre foi assim. Houve um tempo em que a iguaria não era vista com bons olhos pelos donos de cinema, preocupados em manter a limpeza de suas salas. Foi necessário um homem e sua invenção prática para chamar a atenção dos empresários sobre as possibilidades de lucro com esse costume aparentemente inofensivo. De lá pra cá, a pipoca tornou-se carro-chefe de bombonières sofisticadas responsáveis pela maior parte do lucro de um cinema.

A pipoqueira elétrica de Charles Manley

No início do século passado era comum nos Estados Unidos que ambulantes vendessem petiscos como amendoins nas portas de estádios e locais de grande aglomeração. O cinema, por essa época, tornava-se um desses pontos de concentração de público e não demorou muito para que os vendedores de rua oferecessem pipoca e outras guloseimas em frente às salas de projeção.

Para os donos de cinema, o hábito que se criava só começou a ser bem visto a partir de 1925, quando o norte-americano Charles Manley criou a primeira pipoqueira elétrica. Astuto, Manley foi oferecer seu invento justamente para os exibidores, que, a despeito da sujeira e do incômodo causado pelo barulho das mastigadas, perceberam rápido a fonte de receita que tinham em mãos. Diferente da renda obtida com ingressos, dividida com os estúdios e distribuidoras, o faturamento com alimentos ficava inteiramente com o proprietário da sala.

Muitos optaram inclusive por baixar o preço dos ingressos, conseguindo assim mais audiência - que gastava o dinheiro sobressalente com pipoca, bebidas e demais guloseimas. O casamento entre pipoca e cinema estava selado e sobreviveu mesmo nos tempos da Grande Depressão, quando o cinema serviu como fuga da dura realidade, e a pipoca, alimento barato, enganava a fome dando uma falsa sensação de saciedade.

Barulhentas e incômodas

Em Crepúsculo dos Deuses (1950), Gillis, personagem de William Holden, diz em dado momento: “...foi aí que o negócio da pipoca entrou, você compra um saco e tapa as orelhas”. A frase ácida já revelava certa preocupação em combater o ruído vindo da plateia em um ritual que ganhava contornos de hábito. Mas, muitas décadas depois, o que pensam os frequentadores das salas de cinema?

Uma rápida passagem pelos cines da região da Avenida Paulista, em São Paulo, mostra opiniões divididas. “Eu acho que não dá pra ir ao cinema e não comprar uma pipoquinha”, brinca a estudante Mariana Lima, de 21 anos, contrariando seu namorado, o advogado Guilherme Mesquita. “Eu falo pra ela que, além de ser mais caro que o ingresso, isso faz mal, mas ela é teimosa e não me escuta”, diz Mesquita, que revela não gostar nem do cheiro da pipoca.

Cinéfilos tradicionais parecem unânimes no repúdio ao som das mastigadas. “Pra filme com muito barulho, tiro, explosão, pode até ser legal, mas quando a gente quer assistir a algo mais calmo, introspectivo, o barulho da pipoca só serve pra atrapalhar, te tirar do momento, da magia”, afirma a professora aposentada Maria da Graça, de 53 anos. Ela, que tem como filme preferido O Poderoso Chefão II, diz não imaginar como alguém pode apreciar filmes que prezam pelo silêncio, como Gritos e Sussurros, ou até mesmo o recente Homens e Deuses, sufocado pelo ruído da mastigação constante.

Ame-a ou odeie-a, o fato é que a pipoca está indissociavelmente ligada ao hábito de ir ao cinema. Para os desafetos da iguaria, resta ir a salas frequentadas por partidários do “Fora, Pipoca!”. Já para os entusiastas, a receita é a mesma desde o início do século passado: pegar um balde de pipoca quentinha, um copo de refrigerante e se divertir em frente à telona.

Por Paulo Gadioli, em 28/04/2011, no link http://cinema.cineclick.uol.com.br/noticia/carregar/titulo/pipoca-e-cinema-casamento-perfeito-para-uns-terror-para-outros/id/30434/

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